Entre uma loura gelada e outra, consumidores não sabem que, com o aval da legislação brasileira, a cerveja fabricada pelas grandes indústrias contém 45% de milho em vez de cevada. Por tradição, a bebida é feita com água, malte (produzido com a cevada) e lúpulo, mas os rótulos de grandes marcas trazem o misterioso ingrediente “cereais não maltados” em sua fórmula.
Análises feitas desde 2008 pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP), mostram que o uso do milho é de, em média, 45%, bem próximo do limite máximo estipulado pela legislação de, 50%.
— Sempre detectamos milho nas análises. Isso porque o milho chega a ser 30% mais barato do que a cevada. O problema é que o rótulo não é mais claro, e a legislação permite — diz o coordenador da pesquisa, professor Luiz Antônio Martinelli.
Ele prefere não fazer juízo de valor sobre a qualidade, mas critica a forma como as cervejarias omitem que têm milho ou arroz nas bebidas. Esse último cereal não consegue ser detectado nas análises feitas pela USP que, segundo Martinelli, segue a metodologia usada em todo o mundo.
Em busca de mais sabor, o administrador Eduardo Lopes, de 34 anos, abandonou as cervejas com milho. — Comecei a conhecer as cervejas e a entender melhor em 2010, e não aguento mais beber cerveja com milho. Quando faço churrasco, compramos a Heineken, que é puro malte, e fica uns R$ 30 mais caro — conta.
A Ambev, dona de Antarctica, Brahma, Bohemia, Caracu, Stella Artois e Skol, preferiu não comentar o estudo. A Heineken Brasil, de rótulos como Kaiser, Bavaria, Xingu, Sol e Bavaria, explica que a utilização de cereais não maltados varia por produto.
— Estes cereais contribuem de maneira muito positiva nas características de leveza e na refrescância das cervejas — justifica o consultor de Tecnologia da empresa, Francisco Braz Iguti, completando que a Heineken produzida no Brasil é puro malte, e segue a mesma fórmula da estrangeira.
Bebedores desconhecem formulação
O garçom João Batista, de 33 anos, não sabia que as cervejas brasileiras têm milho, mas não pretende mudar de produto. — Isso é algo que nunca procurei saber, e não sou de tomar cervejas importadas — afirmou, ao saborear uma cerveja nacional.
Assim como João, o aposentado José Francisco, de 65 anos, não sabia da presença do milho na cerveja, alegando que não dá para distinguir o sabor:
— Não me sinto enganado, e vou continuar bebendo a minha Antarctica. Para acabar com a falta de informação, a coordenadora da Proteste — Associação de Consumidores, Maria Inês Dolci, alerta que a composição das cervejas deveria ser mais clara nos rótulos.
— A embalagem deveria informar quanto de milho e de cevada há para que o consumidor decida o que vai comprar — acredita.
O Ministério da Agricultura, responsável pela legislação do setor, fez uma consulta pública, em janeiro, para definir os padrões de identidade e qualidade de cerveja, mas, na prática, ainda não há previsão de mudanças. Os sommeliers de cerveja fazem coro para as alterações.
—Todas as cervejas estão de acordo com o limite máximo permitido e, portanto, se existe algo a ser debatido é este limite. A maioria absoluta dos consumidores nem sabe o que é puro malte — explica o sommelier José Raimundo Padilha. A também sommelier Andrea Calmon lembra que é preciso prestar atenção quando a garrafa diz que a cerveja contém carboidratos, outro indicativo da presença de cereais como o milho.
— Para ser considerada premium, uma cerveja deve conter a quantidade máxima de 25% de cereais não maltados — completa Andrea.
Na escolha entre milho e cevada, os nutricionistas dizem que ambos trazem benefícios. A sensação de estar empapuçado estaria relacionada ao processo de fermentação.
— Quanto mais baixa a fermentação, menor será esse efeito. A cevada é extremamente nutritiva, rica em fibras e vitaminas do Complexo B — afirma a nutricionista Mariana Taranto.
Por Diana Figueiredo do Jornal Extra. Notícia original